O que descobrimos com novas experiências de lideranças colaborativas ao ar livre
Como expedições da Outward Bound Brasil têm impactado (de verdade) lideranças corporativas potencializando transformações duradouras em pessoas, relações e negócios.
EM UM NECESSÁRIO RESPIRO DA ROTINA intensa de reuniões, decisões e hiper conexão com tecnologia, Carlos Schmiedel e seu time decidiram se testar em ambiente natural. Após viver na própria pele uma imersão Outward Bound, no Expandindo, o CEO e fundador da Predify, empresa expoente no mercado tech de otimização em precificação e serviços, apostou na aprendizagem experiencial. O plano: proporcionar convívio e busca de soluções coletivas em um novo cenário. Nas suas próprias palavras, Carlos se lançou em “uma experiência ao ar livre que permite que pessoas saiam da zona de conforto e tomem decisões em um ambiente de incerteza e que exige rapidez e assertividade”.
O approach foi intenso e eficaz, reflete o CEO, semanas depois da expedição. Trouxe tempo de qualidade e profundidade para o grupo de gestores e executores. E tudo em relativamente pouco tempo: uma imersão outdoor autossuficiente de dois dias, em versão customizada do OBB START. “Algumas pessoas perceberam que não querem ser líderes de fato e decidiram se tornar especialistas. Outros decidiram se aprofundar no tema de liderança. Mais do que isso, desenvolvemos trabalho em equipe e empatia”, conta Carlos.
O fundador da Predify Carlos Schmiedel em expedição outdoor OBB.
O fundador da Predify Carlos Schmiedel na sede da empresa.
Foto: arquivo pessoal.
“Com a trilha se estendendo, percebemos que a tomada de decisão que envolvesse o grupo era o fator mais importante”, reforça Luis Souza, CFO da Predify. “De um ‘passeio na floresta’, a expedição foi um laboratório para respeito mútuo e companheirismo”, conclui Luis.
A atuação nesse contexto corporativo de performance (desafiante, volátil e complexo em vários níveis) é uma das frentes que a aprendizagem experiencial ao ar livre pode agregar valiosos momentos de reflexão e perspectiva – junto de uma dose potente de “oxigênio” e renovação. Para além dos programas de treinamento off site, em ambientes mais controlados com ênfase em team building, o elemento natural adiciona uma porção extra de desafio e aprendizagem “na veia” – ainda com várias barreiras a se enfrentar, claro, como veremos mais à frente.
Mas, não à toa, o tema tem esquentado na rede Outward Bound International (OBI) em um contexto global, incluindo recentemente insights de 37 escolas ativas em 34 países, rompendo a marca de 1 milhão de participantes programas/mundo em 2023, anos que a entidade completa 82 anos. Em reflexão de Ian Peter, diretor-executivo da OBI: “A Outward Bound tem um papel cada vez mais importante a desempenhar na preparação e no apoio às pessoas para navegarem com sucesso pelas enormes mudanças sociais, econômicas e ambientais que estão sendo vividas em todo o mundo”.
O IMPACTO OUTWARD BOUND NOS INDIVÍDUOS GERANDO MUDANÇAS NAS ORGANIZAÇÕES
Resultados atualizados do mais recente e mais amplo estudo da rede OBI, mensurando e analisando essa relevância na prática, mostram um impacto significativo. O Outward Bound Outcomes Survey (OBOS) mede a magnitude do crescimento em cada item investigado como consequência direta de um programa OB em cinco grandes temas: resiliência, autoconfiança, compaixão, competência social e responsabilidade ambiental.
Introduzindo o
TAMANHO DE EFEITO
O crescimento mensurado é chamado de Effect Size (algo como: o “tamanho do efeito” ou “tamanho do impacto”). O Effect Size médio global para programas de educação ao ar livre é calculado em 0,34*. No OBOS, colhendo dados pós programas Outward Bound, os resultados médios são de 0,63. Este é um effect size significativo e indica em dados atualizados como os programas geram impacto no crescimento dos participantes em todos os cinco resultados.
Um olhar
MAIS DE PERTO
Em um olhar mais detalhado para os cinco temas, “autoconfiança” apresentou maior porcentagem de ganho em Effect Size, somando uma das duas melhores pontuações ao lado de “compaixão” nos dados recentes coletados após cursos, comprovando uma relevante e bem-vinda evolução para a sociedade.
LIDERAR E COLABORAR LADO A LADO: O EFEITO PRÁTICO DE DESENVOLVER LIDERANÇAS COLABORATIVAS NA NATUREZA
De volta a campo, outra experiência de alto impacto em 2023, levou a equipe de liderança e gestão da Priner, companhia líder no segmento de engenharia de manutenção industrial, a uma imersão de quatro dias. Dessa vez, a Outward Bound uniu forças e propósito com a Expedição Gaia para um momento único. “É mais do que uma vontade, é uma real necessidade”, conta Ricardo “Rick” Viana, diretor de engenharia de integridade e inspeção do grupo e um dos idealizadores da Expedição Gaia, que conduz vivências imersivas na natureza com foco em senso de comunidade. “Preciso trabalhar as lideranças, os vínculos e a comunicação a todo tempo, e acredito nas expedições como um meio incrível de fazer isso”.
Pela experiência de Rick, o elemento “desafio” também traz um fator importante. Instiga as pessoas a irem além e se conectarem para uma solução de grupo. “É preciso quebrar o isolamento corporativo das posições de liderança, e convivermos em situações comuns já ajuda a dissolver essa barreira. Isso já traz muitos benefícios e mudanças positivas para a rotina”, relata Rick.
Outro fator essencial é a vulnerabilidade, defende o executivo, especialista em design para sustentabilidade, além de montanhista e amante de esportes outdoor: “Quando alguém é tocado por alguma experiência em campo e se permite abrir ao grupo, isso costuma gerar um efeito cascata. A vulnerabilidade abre a porta para os vínculos e aumento das relações de confiança. É incrível”.
“AS EXPEDIÇÕES PERMITEM TRABALHAR A COLABORAÇÃO E A LIDERANÇA NA PRÁTICA. É A PLATAFORMA EM QUE VEJO MAIOR IMPACTO PARA DESENVOLVER LIDERANÇAS COLABORATIVAS.”
Transferindo os aprendizados experienciais para a rotina: o diretor da Priner Rick Viana tem apostado nas imersões ao ar livre como catalisadoras de autonomia e colaboração. Fotos: arquivo pessoal.
EVOLUINDO DE DENTRO PARA FORA: UMA TRILOGIA DE APRENDIZAGEM OUTWARD BOUND
Enquanto grupos como o de Carlos e Rick dão um passo de coragem rumo à aprendizagem experiencial, indivíduos têm enxergado também uma outra trilha possível. É o que Vinicius “Vini” Pabon, CDO na Petrobrás e expert em transformação digital, começou a fazer depois de reconsiderar um caminho mais tradicional de formação acadêmica, emendando um mestrado com doutorado nos EUA. Anos atrás, no primeiro dia de aula do doutorado, algo não lhe caiu bem no formato; não demorou muito a desistir do modelo e buscar alternativas.
Nos anos seguintes, Vini acabou construindo sua própria trilogia dentro da Outward Bound Brasil como parte essencial de seu desenvolvimento pessoal e profissional. Iniciou com o EXPANDINDO, em um mergulho mais atento e consciente em si mesmo, seguiu com um FEAL, ampliando sua percepção de si e dos outros em ambientes coletivos mais desafiantes, e emendou no LEADERS, ampliando perspectivas, dando encaminhamentos e explorando novas áreas para sua própria atuação em liderança.
“Depois de um dia desafiante de remada em mar aberto no Leaders, lembro de refletirmos em grupo como a maioria dos problemas que enfrentamos vem de expectativas ou ideias que sequer se concretizam na prática como imaginávamos e da falta de clareza de papéis bem definidos no coletivo; aquilo me deu um click poderoso sobre como eu estava tocando minha vida e a empresa”. De volta ao ar condicionado do escritório, Vini liderou na companhia uma transformação cultural (além da digital, sua especialidade) se aprofundando em novas metodologias, melhores relações e formas de encarar o trabalho, os fluxos e os resultados.
A jornada OBB de Vini ainda contou com um especial capítulo “bônus”: a expedição Amazônia, onde pôde revisitar sua relação com o tempo e a produtividade, enquanto se desafiava com outros participantes ainda desconhecidos remando pelo Rio Roosevelt. “Ficou nítido naquele momento nosso condicionamento a uma produtividade cega; tivemos várias oportunidades de vivenciar, refletir e agir, a cada novo acampamento e saída para a água”, recorda. Transferindo para a rotina executiva, mudanças vieram à tona: “Você não imagina a quantidade de reuniões improdutivas que tiramos da agenda e, de uma forma geral, otimizamos tudo, e melhoramos nossas relações”.
Vini Pabon (remado na frente da canoa), CDO na Petrobrás, revisita sua relação com o tempo e a produtividade na Amazônia, e se desafia nas expedições coletivas OBB como trilha de aprendizado pessoal. Fotos: Leandro Cagiano
COLOCANDO O CICLO DE APRENDIZAGEM PARA RODAR: NOVAS EXPERIÊNCIAS, NOVAS REFLEXÕES, NOVAS AÇÕES
No caso de Carlos, de volta à puxada rotina (levamos mais de um mês para conseguirmos falar sobre o tema deste artigo), os resultados seguem reverberando. “Nesse contexto corporativo, estar em ambiente externo com incertezas fez com que as pessoas deixassem mais a mostra algumas características importantes de suas personalidades. Isso nos permitiu perceber de um ponto mais prático suas softs skills mais fortes e mais deficientes, direcionando próximos passos, caminhos e decisões de negócio”.
Os resultados e impactos positivos são evidentes. Mas ainda há pedras no caminho para mais gente trocar a roupa executiva por uma bota de trekking ou uma canoa. Desde datas viáveis até preocupações sobre segurança e riscos, passando por coisas mais corriqueiras, como o uso do banheiro – sem existir um banheiro de fato. Gestão de segurança é tema de bastante relevância e cuidado em saídas Outward Bound. Outros entraves parecem estar mais no campo comportamental ou cultural. “Acredito que há sempre soluções criativas para tornar as experiências mais acessíveis”, defende Rick. Na última empreitada, por exemplo, ele ajudou a simular um “toalete improvisado” em estilo banheiro seco estacionário com ajuda de um vaso de fato para se apoiar na hora do número 2.
“Eu acredito que é importante contar com uma ‘predisposição’ para se receber o que está sendo proposto, principalmente como formato; para mim, funcionou perfeitamente, mas entendo que para outros pode ser mais desafiante de largada”, reflete Vini. “Mas uma coisa é fato: nessa jornada para ser uma pessoa melhor e mais feliz, conectar com outras pessoas diferentes e com o mundo natural teve um papel muito importante”.
Os desdobramentos também costumam ultrapassar o “profissional”. De volta da Amazônia, além de aplicar de imediato aprendizados com seu time na empresa, Vini tomou uma importante decisão pessoal: se casou. “Aprender no experiencial e transferir esses aprendizados é sobre tempo de qualidade para refletir e aplicar: o que fazer, como fazer e com quem quero estar.”
Novas perspectivas de si, do outro e do ambiente; registro em imersão OB Amazônia. Foto: Leandro Cagiano.